"Esse foi o primeiro efeito do encontro fatal que aqui se dera. Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes mas opostas, do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos de meses de navegação oceânica, escalavrados de feridas do escorbuto, olhavam, em espanto, o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, vestidos da nudez emplumada, esplêndidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra a pestilência, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saíam do mar."
"Há duas contribuições fundamentais nesse encontro: uma mestiçagem do corpo e uma mestiçagem da cultura. Em nós vivem milhões de índios, índios que foram esmagados porque a brutalidade do branco com o índio foi terrível. Esmagados porque o europeu tinha muita doença. Os índios não tinham cárie dentária, nem gripe, nem tuberculose... Cada enfermidade dessas era uma espécie de guerra biológica, matou índios em quantidade..."
"Abre-se com esse encontro um tempo novo, em que nenhuma inocência abrandaria sequer a sanha com que os invasores se lançavam sobre o gentio, prontos a subjugá-los pela honra de Deus e pela prosperidade cristã. Só hoje, na esfera intelectual, repensando esse desencontro se pode alcançar seu real significado."
[Darcy Ribeiro, no livro 'O Povo Brasileiro']
Foto: eu e índios Xavantes nas gravações de 'A Muralha', 1999
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