Ritual para o Nada



























































Meu ritual será em silêncio.
Não falarei mais nada.
Não direi mais nada até o nada chegar.

Porque não sou grato.
Porque não sou santo.
Porque não sou digno.

Porque não sou disposto.
Porque não tenho paixão.
Porque não suporto o outro.

E porque o por que não tem porque,
vou falar somente o que é de sobreviver.
E pra dizer o mínimo, meia dúzia de palavras bastarão.

Tô cansado da gente amedrontada com o que vou dizer.
Tô cansado de me opor à piedade.
Tô cansado de reagir à mentira da compaixão.

Tô cansado de defender meu universo bardo de auto-suficiência.
Tô cansado da minha vidinha cansando.
Tô cansado de resistir.

Vou dizer 'obrigado' pra qualquer coisa.
Vou tratar a todos como quiserem.
Vou dar 'bom dia' a qualquer um.

Vou aceitar os acordos corruptos.
Vou elogiar a arte desonesta.
Vou manter as contas em dia.

Vou adoecer de tanto trabalhar.
Vou silenciar sobre as crenças.
Vou deixar que me usem para ascenderem ao céu da bondade.

Vou fazer lentamente somente o possível.
Vou aceitar o castigo da cidade.
Vou comer a ração comum do povo.

Vou trabalhar sem reclamar.
Vou pedir. Até chegar as raias da humilhação.
Vou concordar com qualquer ato ou opinião.

Não comemorarei aniversários.
Não celebrarei datas.
Não informarei mais sobre os danos do mundo.

Não ressignificarei conceitos esquecidos.
Não inovarei projetos.
Não saberei mais tanto.

Serei apenas suficiente.
Serei para as demandas possíveis de atender.
E quando não conseguir atendê-las, serei infeliz.

Esse será o meu ritual até o nada.
Assim seja.
¬ lpz

Vida Cansada

Cansado
dessa vidinha
cansada.
¬ lpz

Os Finais dos Anos

As festas dos finais dos anos de contagem cristã se assemelham a um velório. Humanos ficam em volta do ano moribundo expurgando os erros que porventura acreditam terem cometido com o eminente sepultado. Envoltos numa cosmética festiva, transbordam seus desterros de dor e encorpam o cortejo em torno de banquetes, quando é possível que se tenha o que comer. Assim choram suas culpas, dizem o que não foi dito e clamam pelo impossível. Estarrecidos com a insuportável permanência dos litígios pendentes no ano moribundo, que em breve serão eternizados com o manto do passado, convertem seus desejos reprimidos em esperança. É o limiar final da cerimônia. Na presença dos estertores de um ano quase passado, depositam suas forças na hipótese de um tempo com uma suposta alma renovada. Enchem de urros, fogos e agenciam frases impensadas no esforço de projetar um próximo tempo materializado pelo número do moribundo acrescido de um.

Assim terminam os anos nesta acepção. No tabuleiro de um calendário, humanos imersos em frustração e histeria movem suas catarses intensas do nada para lugar nenhum. Sustentam dias em que a palavra 'feliz' expressa apenas um pacto em desacordo com a felicidade na existência de um ano inteiro...
¬ lpz

Máscara Zero

Não se incomode com a minha cara de nada,
é apenas assombramento diante das ausências neste mundo.
É somente a cara de quem comeu e desgostou.
¬ lpz

As Belezas Suburbanas

No subúrbio,
há belezas
incontáveis.

Uma delas afirma
que o bonito é
o que é gostoso.
¬ lpz

Nas Alvoradas

Cuido antes
da saúde
das decisões.
¬ lpz

Co-movido

Me movo
não apenas pela destreza,
contudo, pela canhoteza.
¬ lpz

A Arte na Natureza

Há beleza quando a arte conduz a percepção para as naturezas nas coisas.
¬ lpz

Sobre a Perfeição

Grande parte do que tem sentido não existe.
¬ lpz

De Caso Pensado

Não sou inspirado.
Não escrevo sem querer.
Escrevo de propósito.
¬ lpz

A Eternidade

Se amanhã fosse hoje,
se hoje fosse ontem
e ontem fosse amanhã,
viveríamos pra sempre.
¬ lpz

Vaticínio

A inveja agoura silenciosa.
Não chama.
Vela calada.
¬ lpz

Digo Não Digo

Nem sempre, quando eu não digo,
quer dizer que eu não saiba.
Nem sempre, quando eu digo,
quer dizer que eu saiba.
¬ lpz

O Rio Suicida

Somente os suicidas moram no Rio. Porque sabem que vivem numa cidade letal. Que mata o espírito de ser, a alegria de caminhar... suga a vontade, a saúde... e os mais impacientes com a situação sucumbem numa doença, num acidente ou numa catástrofe 'natural'. Estamos nos matando de trabalhar, reclamar, fingir, acusar, planejar, consertar... O prefeito e o governador, também suicidas, são os objetos para a expiação. Sim, responsáveis por muitas mazelas, mas são a síntese e a negação 'democrática' da cobiça e da negligência da maioria dos cidadãos no que diz respeito à causa da vida. Pois as gentes do Rio, iludidas em trabalhar por um estágio superior, o que é pura ficção, não admitem que a ética do 'progresso' seja a estupidez. Parece valor, mas é estupidez. E a decisão do cidadão que mora no Rio tem tudo a ver com isso. Cada pessoa que morre insistindo nesse desmodelo de cidade, é a constatação da tese suicida.

Não recrimino o suicídio. É uma decisão como outra qualquer. Com seus pesos e medidas, como qualquer decisão, mas é um direito. Há quem diga que o modo como morremos é uma decisão. Seja qual for.

E o termo 'maravilhosa' retrata bem a cidade, pois, 'maravilha' é aquilo que espanta. Nesse sentido, o Rio cotidiano da gente abandonada, da histeria compulsória da cerveja alheia, dos crimes contra a mulher, das calçadas obstruídas, das praças dos cracudos, das casas alagadas, do transporte deprimente, da carestia dos aluguéis, da especulação imobiliária, garantem o espanto de maravilhas desta cidade.

Nem sempre sorrio, ou sou Rio, porque sorrir por acreditar no otimismo é pouco. Não tem graça, pois sua motivação é induzida, e é pouco efetivo. É fraco. Às vezes parece escárnio.

Além, ainda, o 'caótico' pode ser prazeroso. Não significa exclusivamente que seja desfavorável. Agora, a moderação em demasia é um vício.

A morte-sereia é encantadora com seu mistério feito de nada. E os encantados podem fazer do encanto uma missão, um fetiche, um objeto, um delírio, e até uma razão. O campo da sedução relativiza a cópula entre o sedutor e o seduzido tragando pela similitude dos seus projetos. Mescla os papéis. Atrai e mobiliza os objetos em trânsito na cidade-nau em suicídio.

Presença

Prefiro ser o que me tornei
a ficar lembrando como.
¬ lpz

Funk Pode Ser 'Um Saco"

Monocórdio.
Monossilábico.
Monorrítmico.
Monotemático.
Monótono.

Diferentemente do samba, acho que o funk se encaixa nessa descrição. Não vejo absurdo em achar o funk 'um saco'. Sem sentido é constranger o gosto alheio pela sacralização do que se rotula como típico da miséria. Essa postura determinista, que iguala o sofrimento ao saber, que não tolera o estilo apenas como uma possibilidade de adesão, que autoriza certo modelo de engajamento social, me faz lembrar certos ideais e técnicas da erudição.

Minha oposição não é ao funk, mas a quem estigmatiza o modo de ser das pessoas por região ou poder aquisitivo. De quem não percebe a indústria cultural que move esse interesse. De quem é ingenuo em adotar o termo comunidade e normatiza o funk como essência dos que moram nesses lugares difíceis. Me oponho à linguagem de massa. Afirmo as multidões.

Não Funciona!

O Rio de Janeiro não funciona. É um lugar triste e violento. As pessoas, as ruas, os prédios, as casas, as praias, a política, os sonhos, as liberdades, ou seja, tudo foi abandonado por todos desta cidade. Qualquer feliz qualquer coisa, nesta cidade, é eufemismo, é hipocrisia, é sarcasmo. Aqui, viver virou sinônimo de escapar. Cidade alienada de si mesma. Covil de predadores. Fábrica de monstruosidades. Do carioca não restou nada, só um coração que é produto interno dos brutos, as relações sem lastros, as cobranças intermináveis, a neurose dos resultados inatingíveis. O Capitalismo é uma bomba atômica explodindo em câmera lenta, alastrando em nós a inação. E no fim estaremos todos juntos, exaustos, sem vontade pra qualquer vir a ser.
¬ lpz

Meio

O meio é dentro e fora.
¬ lpz

Loucura e Insanidade

A loucura
não adota fronteiras.
A insanidade, sim.
¬ lpz

Boca do Inferno - Soneto

"Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,¹
cabelo penteado, bom topete.

Presumir de danças, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia² ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante."

[Boca do Inferno, 1636 - 1696]

(1) Esfola-gato - tipo de brincadeira da região portuguesa do Minho.
(2) Tirar falsídia - sugere o significado de 'contar mentiras'.

Fonte Bibliográfica:
Gregório de Matos - Literatura Comparada, Ed. Abril Educação, 1981, pg 36

Os Escrevedores de Mundos

Humanos anteriores escreviam no mundo.
Nas pedras,
nas árvores...

Depois, outros humanos dividiam o mundo em pedaços cada vez menores.
Escreviam e compartilhavam os pedaços escritos do mundo,
enchendo o mundo de coisas escritas.

Morreram todos. Mas, antes e durante, nasceram outros
que escreveram no nada entre as coisas do mundo.
E a humanidade ocupou de sinais o mundo e o não-mundo.

Porque gosta de escrever.

E escrevendo no entre das coisas,
o humano ocupa o nada.
E se torna, também.
¬ lpz

A Vila

Você é naquela rua sem saída,
onde há uma vila sossegada
em que mora feliz.

Lugar onde a luz é de sonho,
e o ar fino sopra suave
o seu vestido amarelo.

Salpicada de cores divertidas
a vila é um sonho seu e meu.
Lá, não sou visita, sou de casa.

Casa com bichos e plantas,
histórias boas de lembrar,
alegria e gente reunida.

A vida é curta.
A vila é longe,
mas estou sempre lá.
¬ lpz

Quando o Princípio é o Dinheiro

O 'Poder de Compra' é fraco.
Dura um átimo.
Permanece um istmo.
¬ lpz

A Cultura da Satisfação

Está evidente que a sacralização do trabalho e o princípio do dinheiro são os rumos dos modelos de aprendizagem para o sistema de educação vigente. Um esquema que não prioriza a felicidade, mas a satisfação.

Eu não desejo isso.
¬ lpz

No Que Você Está Pensando?

Estou pensando...
Nesta ética em que o furtado é chamado de otário porque 'deu mole';
em que os gentis ficam pra depois porque são 'gente boa';
em que há falta de investimento na confiança;
em que se violenta a liberdade alheia.

Estou pensando no 'ir e vir'...
de ideias,
de amores,
de sonhos,
da grana,
da potência,
das relações.

Penso nessas coisas porque é meu poder pensar. E mais.
Penso que nosso país tem inoculada a cultura do presídio.
Onde melhor é aquele que se corrompe mais cedo.

É nisso que estou pensando.
¬ lpz

O Trivial Ordinário

A banalização é uma forma de censura.
Se nada assombra, nada espanta,
tudo cala.
¬ lpz