O Rio Suicida

Somente os suicidas moram no Rio. Porque sabem que vivem numa cidade letal. Que mata o espírito de ser, a alegria de caminhar... suga a vontade, a saúde... e os mais impacientes com a situação sucumbem numa doença, num acidente ou numa catástrofe 'natural'. Estamos nos matando de trabalhar, reclamar, fingir, acusar, planejar, consertar... O prefeito e o governador, também suicidas, são os objetos para a expiação. Sim, responsáveis por muitas mazelas, mas são a síntese e a negação 'democrática' da cobiça e da negligência da maioria dos cidadãos no que diz respeito à causa da vida. Pois as gentes do Rio, iludidas em trabalhar por um estágio superior, o que é pura ficção, não admitem que a ética do 'progresso' seja a estupidez. Parece valor, mas é estupidez. E a decisão do cidadão que mora no Rio tem tudo a ver com isso. Cada pessoa que morre insistindo nesse desmodelo de cidade, é a constatação da tese suicida.

Não recrimino o suicídio. É uma decisão como outra qualquer. Com seus pesos e medidas, como qualquer decisão, mas é um direito. Há quem diga que o modo como morremos é uma decisão. Seja qual for.

E o termo 'maravilhosa' retrata bem a cidade, pois, 'maravilha' é aquilo que espanta. Nesse sentido, o Rio cotidiano da gente abandonada, da histeria compulsória da cerveja alheia, dos crimes contra a mulher, das calçadas obstruídas, das praças dos cracudos, das casas alagadas, do transporte deprimente, da carestia dos aluguéis, da especulação imobiliária, garantem o espanto de maravilhas desta cidade.

Nem sempre sorrio, ou sou Rio, porque sorrir por acreditar no otimismo é pouco. Não tem graça, pois sua motivação é induzida, e é pouco efetivo. É fraco. Às vezes parece escárnio.

Além, ainda, o 'caótico' pode ser prazeroso. Não significa exclusivamente que seja desfavorável. Agora, a moderação em demasia é um vício.

A morte-sereia é encantadora com seu mistério feito de nada. E os encantados podem fazer do encanto uma missão, um fetiche, um objeto, um delírio, e até uma razão. O campo da sedução relativiza a cópula entre o sedutor e o seduzido tragando pela similitude dos seus projetos. Mescla os papéis. Atrai e mobiliza os objetos em trânsito na cidade-nau em suicídio.

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