Ritual para o Nada



























































Meu ritual será em silêncio.
Não falarei mais nada.
Não direi mais nada até o nada chegar.

Porque não sou grato.
Porque não sou santo.
Porque não sou digno.

Porque não sou disposto.
Porque não tenho paixão.
Porque não suporto o outro.

E porque o por que não tem porque,
vou falar somente o que é de sobreviver.
E pra dizer o mínimo, meia dúzia de palavras bastarão.

Tô cansado da gente amedrontada com o que vou dizer.
Tô cansado de me opor à piedade.
Tô cansado de reagir à mentira da compaixão.

Tô cansado de defender meu universo bardo de auto-suficiência.
Tô cansado da minha vidinha cansando.
Tô cansado de resistir.

Vou dizer 'obrigado' pra qualquer coisa.
Vou tratar a todos como quiserem.
Vou dar 'bom dia' a qualquer um.

Vou aceitar os acordos corruptos.
Vou elogiar a arte desonesta.
Vou manter as contas em dia.

Vou adoecer de tanto trabalhar.
Vou silenciar sobre as crenças.
Vou deixar que me usem para ascenderem ao céu da bondade.

Vou fazer lentamente somente o possível.
Vou aceitar o castigo da cidade.
Vou comer a ração comum do povo.

Vou trabalhar sem reclamar.
Vou pedir. Até chegar as raias da humilhação.
Vou concordar com qualquer ato ou opinião.

Não comemorarei aniversários.
Não celebrarei datas.
Não informarei mais sobre os danos do mundo.

Não ressignificarei conceitos esquecidos.
Não inovarei projetos.
Não saberei mais tanto.

Serei apenas suficiente.
Serei para as demandas possíveis de atender.
E quando não conseguir atendê-las, serei infeliz.

Esse será o meu ritual até o nada.
Assim seja.
¬ lpz

Vida Cansada

Cansado
dessa vidinha
cansada.
¬ lpz

Os Finais dos Anos

As festas dos finais dos anos de contagem cristã se assemelham a um velório. Humanos ficam em volta do ano moribundo expurgando os erros que porventura acreditam terem cometido com o eminente sepultado. Envoltos numa cosmética festiva, transbordam seus desterros de dor e encorpam o cortejo em torno de banquetes, quando é possível que se tenha o que comer. Assim choram suas culpas, dizem o que não foi dito e clamam pelo impossível. Estarrecidos com a insuportável permanência dos litígios pendentes no ano moribundo, que em breve serão eternizados com o manto do passado, convertem seus desejos reprimidos em esperança. É o limiar final da cerimônia. Na presença dos estertores de um ano quase passado, depositam suas forças na hipótese de um tempo com uma suposta alma renovada. Enchem de urros, fogos e agenciam frases impensadas no esforço de projetar um próximo tempo materializado pelo número do moribundo acrescido de um.

Assim terminam os anos nesta acepção. No tabuleiro de um calendário, humanos imersos em frustração e histeria movem suas catarses intensas do nada para lugar nenhum. Sustentam dias em que a palavra 'feliz' expressa apenas um pacto em desacordo com a felicidade na existência de um ano inteiro...
¬ lpz

Máscara Zero

Não se incomode com a minha cara de nada,
é apenas assombramento diante das ausências neste mundo.
É somente a cara de quem comeu e desgostou.
¬ lpz

As Belezas Suburbanas

No subúrbio,
há belezas
incontáveis.

Uma delas afirma
que o bonito é
o que é gostoso.
¬ lpz

Nas Alvoradas

Cuido antes
da saúde
das decisões.
¬ lpz

Co-movido

Me movo
não apenas pela destreza,
contudo, pela canhoteza.
¬ lpz

A Arte na Natureza

Há beleza quando a arte conduz a percepção para as naturezas nas coisas.
¬ lpz

Sobre a Perfeição

Grande parte do que tem sentido não existe.
¬ lpz

De Caso Pensado

Não sou inspirado.
Não escrevo sem querer.
Escrevo de propósito.
¬ lpz

A Eternidade

Se amanhã fosse hoje,
se hoje fosse ontem
e ontem fosse amanhã,
viveríamos pra sempre.
¬ lpz

Vaticínio

A inveja agoura silenciosa.
Não chama.
Vela calada.
¬ lpz

Digo Não Digo

Nem sempre, quando eu não digo,
quer dizer que eu não saiba.
Nem sempre, quando eu digo,
quer dizer que eu saiba.
¬ lpz

O Rio Suicida

Somente os suicidas moram no Rio. Porque sabem que vivem numa cidade letal. Que mata o espírito de ser, a alegria de caminhar... suga a vontade, a saúde... e os mais impacientes com a situação sucumbem numa doença, num acidente ou numa catástrofe 'natural'. Estamos nos matando de trabalhar, reclamar, fingir, acusar, planejar, consertar... O prefeito e o governador, também suicidas, são os objetos para a expiação. Sim, responsáveis por muitas mazelas, mas são a síntese e a negação 'democrática' da cobiça e da negligência da maioria dos cidadãos no que diz respeito à causa da vida. Pois as gentes do Rio, iludidas em trabalhar por um estágio superior, o que é pura ficção, não admitem que a ética do 'progresso' seja a estupidez. Parece valor, mas é estupidez. E a decisão do cidadão que mora no Rio tem tudo a ver com isso. Cada pessoa que morre insistindo nesse desmodelo de cidade, é a constatação da tese suicida.

Não recrimino o suicídio. É uma decisão como outra qualquer. Com seus pesos e medidas, como qualquer decisão, mas é um direito. Há quem diga que o modo como morremos é uma decisão. Seja qual for.

E o termo 'maravilhosa' retrata bem a cidade, pois, 'maravilha' é aquilo que espanta. Nesse sentido, o Rio cotidiano da gente abandonada, da histeria compulsória da cerveja alheia, dos crimes contra a mulher, das calçadas obstruídas, das praças dos cracudos, das casas alagadas, do transporte deprimente, da carestia dos aluguéis, da especulação imobiliária, garantem o espanto de maravilhas desta cidade.

Nem sempre sorrio, ou sou Rio, porque sorrir por acreditar no otimismo é pouco. Não tem graça, pois sua motivação é induzida, e é pouco efetivo. É fraco. Às vezes parece escárnio.

Além, ainda, o 'caótico' pode ser prazeroso. Não significa exclusivamente que seja desfavorável. Agora, a moderação em demasia é um vício.

A morte-sereia é encantadora com seu mistério feito de nada. E os encantados podem fazer do encanto uma missão, um fetiche, um objeto, um delírio, e até uma razão. O campo da sedução relativiza a cópula entre o sedutor e o seduzido tragando pela similitude dos seus projetos. Mescla os papéis. Atrai e mobiliza os objetos em trânsito na cidade-nau em suicídio.

Presença

Prefiro ser o que me tornei
a ficar lembrando como.
¬ lpz

Funk Pode Ser 'Um Saco"

Monocórdio.
Monossilábico.
Monorrítmico.
Monotemático.
Monótono.

Diferentemente do samba, acho que o funk se encaixa nessa descrição. Não vejo absurdo em achar o funk 'um saco'. Sem sentido é constranger o gosto alheio pela sacralização do que se rotula como típico da miséria. Essa postura determinista, que iguala o sofrimento ao saber, que não tolera o estilo apenas como uma possibilidade de adesão, que autoriza certo modelo de engajamento social, me faz lembrar certos ideais e técnicas da erudição.

Minha oposição não é ao funk, mas a quem estigmatiza o modo de ser das pessoas por região ou poder aquisitivo. De quem não percebe a indústria cultural que move esse interesse. De quem é ingenuo em adotar o termo comunidade e normatiza o funk como essência dos que moram nesses lugares difíceis. Me oponho à linguagem de massa. Afirmo as multidões.

Não Funciona!

O Rio de Janeiro não funciona. É um lugar triste e violento. As pessoas, as ruas, os prédios, as casas, as praias, a política, os sonhos, as liberdades, ou seja, tudo foi abandonado por todos desta cidade. Qualquer feliz qualquer coisa, nesta cidade, é eufemismo, é hipocrisia, é sarcasmo. Aqui, viver virou sinônimo de escapar. Cidade alienada de si mesma. Covil de predadores. Fábrica de monstruosidades. Do carioca não restou nada, só um coração que é produto interno dos brutos, as relações sem lastros, as cobranças intermináveis, a neurose dos resultados inatingíveis. O Capitalismo é uma bomba atômica explodindo em câmera lenta, alastrando em nós a inação. E no fim estaremos todos juntos, exaustos, sem vontade pra qualquer vir a ser.
¬ lpz

Meio

O meio é dentro e fora.
¬ lpz

Loucura e Insanidade

A loucura
não adota fronteiras.
A insanidade, sim.
¬ lpz

Boca do Inferno - Soneto

"Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,¹
cabelo penteado, bom topete.

Presumir de danças, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia² ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante."

[Boca do Inferno, 1636 - 1696]

(1) Esfola-gato - tipo de brincadeira da região portuguesa do Minho.
(2) Tirar falsídia - sugere o significado de 'contar mentiras'.

Fonte Bibliográfica:
Gregório de Matos - Literatura Comparada, Ed. Abril Educação, 1981, pg 36

Os Escrevedores de Mundos

Humanos anteriores escreviam no mundo.
Nas pedras,
nas árvores...

Depois, outros humanos dividiam o mundo em pedaços cada vez menores.
Escreviam e compartilhavam os pedaços escritos do mundo,
enchendo o mundo de coisas escritas.

Morreram todos. Mas, antes e durante, nasceram outros
que escreveram no nada entre as coisas do mundo.
E a humanidade ocupou de sinais o mundo e o não-mundo.

Porque gosta de escrever.

E escrevendo no entre das coisas,
o humano ocupa o nada.
E se torna, também.
¬ lpz

A Vila

Você é naquela rua sem saída,
onde há uma vila sossegada
em que mora feliz.

Lugar onde a luz é de sonho,
e o ar fino sopra suave
o seu vestido amarelo.

Salpicada de cores divertidas
a vila é um sonho seu e meu.
Lá, não sou visita, sou de casa.

Casa com bichos e plantas,
histórias boas de lembrar,
alegria e gente reunida.

A vida é curta.
A vila é longe,
mas estou sempre lá.
¬ lpz

Quando o Princípio é o Dinheiro

O 'Poder de Compra' é fraco.
Dura um átimo.
Permanece um istmo.
¬ lpz

A Cultura da Satisfação

Está evidente que a sacralização do trabalho e o princípio do dinheiro são os rumos dos modelos de aprendizagem para o sistema de educação vigente. Um esquema que não prioriza a felicidade, mas a satisfação.

Eu não desejo isso.
¬ lpz

No Que Você Está Pensando?

Estou pensando...
Nesta ética em que o furtado é chamado de otário porque 'deu mole';
em que os gentis ficam pra depois porque são 'gente boa';
em que há falta de investimento na confiança;
em que se violenta a liberdade alheia.

Estou pensando no 'ir e vir'...
de ideias,
de amores,
de sonhos,
da grana,
da potência,
das relações.

Penso nessas coisas porque é meu poder pensar. E mais.
Penso que nosso país tem inoculada a cultura do presídio.
Onde melhor é aquele que se corrompe mais cedo.

É nisso que estou pensando.
¬ lpz

O Trivial Ordinário

A banalização é uma forma de censura.
Se nada assombra, nada espanta,
tudo cala.
¬ lpz

Crochê








Teseu, por toda volta está o labirinto.
Em tua mão, a linha do novelo será um destino passado.

Seguindo a lançar o fio de Ariadne pelos chãos,
escaparias da trama mortífera, fosse a vida um novelo.

O problema é que há o tempo perverso
que não aceita inverso.

Aqui nessas camadas de vida, Teseu,
o tempo... é um Minotauro que faz crochê.
¬ lpz

Outros Lugares

Mudar as saudades
leva a caminhos
pra outros lugares.
¬ lpz

O Certo

O certo é
a bobagem eleita.
¬ lpz

A Matilha

É a matilha que comanda
e permite o líder
comer primeiro.
¬ lpz

O Liame

Gliço o liame
entre o que foi
e o que pode ser.
¬ lpz

Nós da Existência

Nós,
o aquém do ninguém,
talvez exista.

Eu,
o além do ninguém,
é ilusão.
¬ lpz

O Reparo de Si

Um faz reparo dos outros.
Os outros reparam um.

Porque os outros fazem reparo,
um repara nos outros.
Porque um faz reparo,
os outros reparam um.

Todos reparam nos outros
porque fazem do um o outro de si.
¬ lpz


Incrível ou a Crença do Universo

Talvez o universo não seja incrível.
Pois que crença é essa?
Isso não é vida, é uma coça.
¬ lpz

Volúpia

Luz Del Fuego
A volúpia,
a sanha
na carne viva.
¬ lpz

Acesos


Me acendi
quando vi
seu corpo

Me vi
quando acendi
seu corpo
¬ lpz

O Medo para Aprender

"Filosofar é aprender a morrer, diziam os estoicos, e eles tinham razão:
enquanto não perdemos o medo de perder tudo, não começamos a viver."

[Luiz Felipe Pondé, em 'A Filosofia da Adúltera - Ensaios Selvagens']*

* Presenteado pela amada Nanda Mantovani.

O Dorso

Assim é o dorso.
Parece osso
mas a carne lhe curva,

torce em posições,
contorna o ato de sentido,
povoa o mundo de sensações.

O dorso é o corpo
traçando o desejo.
¬ lpz

Porta Entreaberta

Olhou ao redor,
pensou, sorriu e buscou
a porta entreaberta.
¬ lpz

Os Professores Tomam Surra do Estado, mas...




















Os professores tomam surra do Estado, mas...
as fábricas ainda produzem.
Os professores tomam surra do Estado, mas...
as lojas ainda vendem.
Os professores tomam surra do Estado, mas...
a arte ainda entretém.

Os professores tomam surra do Estado, mas...
a publicidade ainda propaga.
Os professores tomam surra do Estado, mas...
os bancos ainda cobram.
Os professores tomam surra do Estado, mas...
as pessoas ainda trabalham.

A atividade humana está domada.
O trabalho foi sacralizado.

Talvez a revolução aconteça
no dia em que os humanos
forem capazes de rasgar dinheiro.
¬ lpz

Vasta

A metrópole
devasta.

A natureza
humana.
¬ lpz

A Dança da Lembrança

O corpo da saudade
dança sua lembrança
no palco da memória
¬ lpz

Animado

Não desanimo
porque
não tenho esperança
¬ lpz

Cê e Eu

Cê faz o fogo
Eu faço a comida
Cê caça o trampo
Eu vigio o lugar
Cê diz que vence
Eu perco o medo
Cê mente que vive
Eu guardo segredo
¬ lpz

A Vigilância e o Risco

A vigilância torna o risco um vício.
¬ lpz

Nada

Que coisa teria o poder de ser nada?
O silêncio?
A escuridão?
O intocável?
O insosso?
O que não tem cheiro?
A saudade?
O imensurável?

Nada
tem o poder de ser
nada.

Tão somente...
¬ lpz

A Liderança Moribunda







Os moribundos
poderiam
comandar o planeta.

Eles percebem
e criam
aquilo que é
e quando é
necessário.

¬ lpz

Boa Noite, Minha Linda...

"Este mundo só tem um doce momento reservado pra nós..." (...) "Estamos nas terras altas. Onde mais? Correndo pelos flancos de uma montanha... O sol está brilhando. Não faz frio. Você veste a sua pele de carneiro... E as botas que eu te fiz..."


Cena original do filme Highlander com a música da trilha sonora do Queen - Who Wants To Live Forever

Morto no Mundo

As formas padecem
ao morto que escreve
das coisas que mundam.
¬ lpz

No lembrar...

Sei
que penso
que sei.

Penso
que sei
que penso.

¬ lpz

Antes de Ir

Tem gente
que morre antes
de ir embora.
¬ lpz

Senso Comum

O senso comum
é a cesta básica
dos significados.
¬ lpz

O Silêncio












O silêncio não cala nem consente.
Não é vaga improdutiva sujeita à ocupação.

É o tempo dilatado no espaço,
o pensamento espreguiçando contornos,
o tudo se fingindo de nada,
a utopia da escuta.

É uma vontade sem caminho,
uma praça de indagações,
uma clareira na mata dos significados.

Não é treco nem troço.
É coisa.
¬ lpz

Trola Urbana

Faiscosamente,
me perguntei:
- Quando me indigno?

Labaredamente,
me respondi:
- Quando me sinto um mané!
¬ lpz

Pormenor

Por menor que seja,
o silêncio
diz tanto.
¬ lpz

ύβρις

Atento na hybris deste demiurgo.
¬ lpz

Os Xamãs do Povo

O povo acordou?

Quem diz isso tem memória curtíssima. O povo está acordado, mas o Gulliver estava amarrado ao chão da ilha. Acreditavam os pequeninos que o diálogo do gigante era resultado da contenção pelas amarras.

Porém, inúmeros movimentos acontecem no Brasil, e faz tempo. Movimentos legítimos que a grande mídia não abraçou e jogou contra, assim como fez até ontem com este que se configura. Compreenda que o Brasil é imenso, e seu levante gradual é contra este estado de coisas que vem sendo narrado cotidianamente pelo Movimento dos Sem Terra, dos Deficientes, dos Bombeiros, dos Gays, dos Professores, dos Hospitais Universitários, dos Ambientalistas, das Doulas, dos Estudantes, das Barcas Rio-Niterói, dos Índios, dos Afrodescendentes e a da Passagem de Ônibus, por exemplo.

Ledo engano supor que a rede digital não fosse se submeter ao fenômeno linguístico, à produção de liberdades. Que a comunicação entre as diferenças fosse contida permanentemente por artifício. A língua brasileira, esta rede relacional lançada pelos índios, europeus, africanos e asiáticos há séculos, encampada pela normativa da moral através do Estado, é uma produção popular. A comunicação é erguida na diferença, é a mola que impulsiona o gesto, a fala e a expressão. E o Estado, através da grande mídia, busca o controle desta atividade. Entretanto, o projeto do Estado em estabilizar os ânimos pela uniformização desta atividade humana, neste momento, está ruindo. Porque é ação do povo ressignificar.

Então o povo não dorme, é oprimido. É sua pressão contrária que dá base de sustentação às forças opressoras. A partir de agora, as teles evocarão seus xamãs para acalmar o vulcão inquieto e voltar a vesti-lo de paisagem.
¬ lpz

A Revolução e a Arte de Regar

A revolução pousará
quando a flor se desafiar
na arte de regar
o próprio corpo.
¬ lpz

Garganta Rupestre

Sou a caverna
onde a luz do mundo
entra e contorna os gestos
daquele que observa
a própria sombra
nesta garganta rupestre.

Em mim, sua mimese
me faz tela.
A sombra embriagante
me altera.
Nega a luz para dar sentido
à luminosidade.
¬ lpz

A Baixa Estimosfera

||:  Circula | gravita | vazia e capturante | a baixa estimosfera |¹  não se fixa  :||²  é fluxo  :||
¬ lpz

Anuviação



Dei um tempo para a eternidade,
hoje eu canso entre os escombros,
sou esse bicho que lembra,
essa pessoa que nubla.
¬ lpz

Moira de Poeta

Vivo de mote.
Morro de glosar.
¬ lpz

Tal Vez

Que tal vez
rompa um tempo para separar as coisas.
Que tal vez
encontre um lugar para misturá-las.
Que tal vez
invada uma fresta para iluminar.
¬ lpz

Fronteira sem Beira

Sonhar é acordar pra dentro.
Sonhei e fui.
¬ lpz

No Rush!

Nós e o caminho,
o rush repleto de nós,
a massa rouca

lava das gentes
levas de sonhos
em maçarocas.
¬ lpz

Legatum Memoriae

O legado da memória é a presença na ausência.
¬ lpz

O Escafandro

Estendo o meu escafandro sobre a cama. Sua superfície é um mapa de relevos espantosos. Apesar das depressões no couro, deixadas pelas ondas de choque que recebeu no mundo ido, não há vazamentos. O engraxo, besunto o piche e o visto. É hora. Salvo das possíveis pressões, mergulho na animosfera das profundidades mundanas.
¬ lpz

Tatuagens Invisíveis

Tantas as formas todas.
Um trânsito de esconderijos,
adir de corpos em vagas,
parcelas do produto.
E ainda há a chuva, o oceano
e as tatuagens invisíveis.
¬ lpz

Poesia Extrema

Trema, opressão
extrema!
O poema de pressão
extrema
teima na alegria
extrema.
¬ lpz

όλο

O tempo é um lugar
pra povoar
no vir a ser.
¬ lpz

O Respeito

Há quem respeite o outro
como a um que tema ou sirva.
Mas esta sopa é rala!
Não a como, medo medonho!
Nutrir assim um sujeito de respeito?
¬ lpz

Verbodrama

Este autor é um ator.
Dínames da palavra.
Corpo em fluxo na dança dos estigmas.
Seu verbo é drama.
Sua ação é pensar.
¬ lpz

A Iniciação Adâmica

Todo um paraíso em chamas.
Sinta o beijo! Queima até a raiz.
Nu. Pelo. Mundo.
¬ lpz

Uma Beleza...

Como é bela a atividade humana sem serventia...
É quando a humanidade extrapola a sua condição de mortal.
¬ lpz

[Vídeo publicado em 12/05/2013, versão de 'Space Oddity' de David Bowie, gravado pelo comandante Chris Hadfield a bordo da Estação Espacial Internacional]

A Oração da Autoria

É bastante duvidosa a afirmação de que haja de fato o fenômeno da originalidade, ou que exista uma assinatura hereditária para métodos, ou ainda, partos genuínos para ideias supostas incomuns. Faz mais justiça à dinâmica mundana o conceito de criatividade como produção de acentos. Um pulso ininterrupto, um sistema de forças que flui se revigorando, se transvalorando, residindo por alguns instantes em endereços provisórios para dar alguma noção do mundo para si. E, pensando assim, a criação autorizada seria uma invenção! Como o juros para o valor das coisas! Talvez fosse menos conflitante dar valor à prática de acentuar. É... Pois, parece evidente que a autoria, como concepção, se trata da crença na propriedade. Por isso sigo desdobrando nesse devaneio improdutivo... Se assim for, a propaganda, como meio de dar publicidade, não seria, desta crença, a oração?
¬ lpz, acentuosamente...

O Ranço da Opressão

Aquele que se sentiu discriminado e, ao atingir o posto privilegiado, apela para a revanche, cai no vício do seu opressor. Em termos de povo, não expande os limites do popular porque não inclui, não agrega. Ainda que na direção oposta, prima em apenas destruir. Trai a lógica inerente a sua origem plasmada na permeabilidade do gesto e na movência da transformação. Sua rigidez destitui o tirano, mas não a tirania. Seu ranço de trauma confunde afirmação com conversão, e perpetua a mazela ideológica que o agrediu. Com o corpo, o gesto e a voz absortos na fantasia da vingança, recorre à força para inverter o sentido da repulsa nas fronteiras e, ao submeter, reproduz a atitude excludente. Oprime às avessas.
¬ lpz

O Cronógrafo















Penso no ser humano como um designer do seu espaço de temporalidade. Um prisioneiro de sua obra. Ser encapsulado que constitui sua memória à maneira de um cronógrafo. Não de um relógio... é diferente. Há o processo. O humano tem sua percepção sobre a temporalidade atrelada a escrever e descrever o espaço do tempo. Sua memória registra por meio das sensações e dos sentimentos. Edita pelo esquecimento.

É distinto do relógio... que somente certifica, alerta para a convenção de uma mesma chance renovada. Notifica sobre os graus do instituto do tempo, demarca o acordo de uma contagem. Pois, seus ponteiros e dígitos destinam-se a chamar os sentidos e a razão ao encontro com a ideia de que podemos retomar a narrativa ou a argumentação. Perpetua o recalque evocando a repetição simbólica dos números. Induz a mente a reproduzir.
¬ lpz

Ânimo Ondulante





















Estou a centenas de quilômetros do ladeirão do Museu do Ipiranga, das inquietantes figuras rupestres das cavernas de Sete Lagoas, da fronteira episteme do rio Paraná, e a poucos mil do imprevisível rio Acre. Estou no Rio de Janeiro. É aqui que eu moro... que eu nasço. Na cidade onde o mar azul não é mais tão azul. Mas eu também já não sou. Contudo ainda posso, pelo puro luxo, exercitar a minha memória à beira do mar... Pensar sobre os mares que existiram, e quais atravessei.

Os movimentos rebrilhantes do mar atravessam meu córtex como raios, lampejam suas colagens do tempo. Aqueles reflexos projetam em meu corpo as cores e as formas do golfo revolto e vermelho das tele guerras, da verde esperança das regatas, do azul celestial do passeio na praia ou do preto mortal da poluição. Porém é o mar nesse ânimo ondulante que veste a vida de ritmo, me faz entender o pulso das relações, enquanto exibe a sua natureza de dar limite às distâncias.
¬ lpz

Um Lugar pra Gente se Armar?
























Os Senhores das Armas estão rindo à toa com a adesão dos geniosos ingênuos, de formação mediana, praticantes da polemocracia, que apoiam pela Internet:

torturadores,
políticos corruptos,
a violência estatal urbana,
a intolerância de gênero,
a violência étnica,
a vigilância à pobreza,
o investimento midiático à marginália pop,
a fraudável urna eletrônica,
o fanatismo religioso,
a hostilidade penal,
e outros apetrechos.

Aprofundem o olhar...
Jornal é panfleto!
Curem suas iras...

Além do horizonte existe um lugar
de conflito e bravio pra gente se armar?
¬ lpz

Partida Política

Existe o ser politizado e o partidarizado,
são completamente distintos.
Um pretende as incertezas do povo
e o outro pretende as certezas do fragmento.
Além, há o despolitizado e o despartidarizado.
Estes não pretendem.
¬ lpz

Postar... Palavras Transbordadas...

Minhas falas transbordam. Avançam dos meus limites pra me cerzir com o mundo. Não são falas isentas de ação ou emoção. São gritos provenientes das batalhas que travo, são constatações de um mundo vivido. Escrever é virtualidade, mas é ocupar este lugar de litígio na assimetria, é confrontar os bichos que movem o amor de ser humano.

No entanto, cuido pra fazer uso de palavras sem esperanças, porque não nutro expectativas. Não caio nessa armadilha. O mundo é construção. A realidade é seu suporte, é o domínio que parcamente tenho sobre a aparência das coisas. A existência, em sua beleza, sua crueza, seu descaso, seu afeto, seu amor, é tudo o que me atravessa, me envolve, me deforma, me acusa. Minha ausência de lucidez acontece apenas quando teimo em me reformar, cismo em me reproduzir. Isso me deixa triste. Agir e dizer, é que não. Isso é alegria, é poesia.

Aliás, na poesia, minha voz eclode soletrada, musicada, conversada, travada em lutas duríssimas, mas com resiliência, porque não sou besta. Pratico essa resistência maleável que produz palavra escrita, falada e 'fazida'. Por isso, posso atestar, sem hipocrisia, que o que transborda de mim é o que sou no mundo, o que sou do mundo, o que sou, sendo.
¬ lpz

Piedade

A avexante nudez da piedade
é ser menosprezo
trajado de caridade.
¬ lpz

É

Ser é
ser...
ser...
ser...
até morrer.
¬ lpz

A História de uma Imagem

"Nosso presente nunca está sozinho; os fantasmas do passado acompanham nossa ignorância."
[Eduardo Neiva Jr.]

Anda!



O mundo
anda crítico,
anda analítico,
anda clínico.

O mundo anda?
¬ lpz

Vapor de Quitina












Exalo uma bruma suave de tristeza,
um sentimento que me adere e envolve.
Sua natureza não é lancinante, apenas dá o tom.

Antes, era um destilado ácido que corroía a pele,
os nervos, e me torturava.
Agora é turfa que banha a paisagem.

Além da névoa, em seu voo famélico,
um bando de carniceiros se afasta.
Não pode avistar a carniça.

Porque, abaixo do alcance, meu corpo tem como escudo este ar inventado,
esta sua imanência em vapor de quitina,
matéria indígena da própria travessia.
¬ lpz

O Presídio do Mundo











Sob a máscara de um povo pacífico e cordato, o Brasil esconde a violência dos séculos de colonização categórica ou dissimulada. O estigma de 'presídio do mundo' é mantido por micropoderes, por estruturas remanescentes das ditaduras e das escravidões. É uma marca cultivada indelével, com todo o esmero, pela paixão à força produtiva, por uma linguagem de mundo expressamente funcional, descrente na sensibilidade e submissa ao medo de ser.
¬ lpz

[Foto: 'Abordagem Policial na casa do Fotógrafo da Maré']

[Fonte: http://oglobo.globo.com/in/8274750-b34-3af/FT500A/2013050220027.jpg]

A Alegoria da Prudência

"Do passado, o presente age prudentemente para não estragar a ação futura."

[Inscrição presente na pintura 'A Alegoria da Prudência', de Ticiano, 1487 - 1576]

"No quadro de Ticiano, o discurso infiltra-se pela inscrição, prendendo a imagem às etiquetas - passado, presente e futuro. Na camada do quadro, à esquerda, está pintado o perfil de um velho com um barrete vermelho: um auto-retrato de Ticiano, no centro, a representação frontal de um homem de meia-idade, com barba; à direita, o perfil de um jovem louro. Estão sincronizados, no eixo central do quadro, a frase "o presente age prudentemente" e o olhar do homem maduro que nos encara: lembrança surda e terna." [Eduardo Neiva Jr.]

O Destino das Classes







Na relação humana com o trabalho, a classe é fruto da especialização da indústria e do capital.

Discernir sobre o destino do capital é a luta das classes.

Na luta de classe há grandes especialistas em capital.

Entretanto, urge a necessidade de sujeitos que discirnam sobre o destino.
¬ lpz

O Especialista em Vivência

"Nestes tempos de grandes especializações não existe um especialista que seja autoridade em vivência."
[Joseph Chaikin]

[Foto: Open Theatre]

O Ator e o Indivíduo






"A ferramenta do ator é ele próprio, mas o uso de si é informado por todas as coisas que constituem a sua mente e seu corpo - suas observações, suas lutas, seus pesadelos, suas prisões, seus modelos; ele próprio, como cidadão de seu tempo e de sua sociedade. A representação do palco e a da vida estão absolutamente juntas, não querendo isso dizer que não haja diferença entre ambas. O ator desenha o seu papel no palco a partir da mesma base que a pessoa desenha a sua vida."

[Joseph Chaikin, participante do Living Theatre e um dos fundadores do Open Theatre]

O Obrigatório












Ensino
obrigatório
.
Serviço militar
obrigatório
.
Voto
obrigatório
.
Cadastro biométrico eleitoral
obrigatório
...
Muito obrigado.
¬ lpz

Sobre a Imparcialidade

Para agir com imparcialidade
é necessário mentir
pelo menos duas vezes.
¬ lpz

Olhar Estrangeiro

A poesia é inversa à expectativa,
funda nova cidade,
estranha o olhar.
¬ lpz

A Lei do Juízo

O desafio da regra é a exceção.
¬ lpz

O Poeta

O poeta não é adorno,
a menos que deseje.
A mais, sua disposição
pode ser a de sangrar a si mesmo.
¬ lpz

O Plano e a Ideia

Não há gravidade na ideia,
não há pés no chão,
não há chão,
não há
não
.

¬ lpz

Cogito ergo dubitat

Penso, logo hesito.
[dogma filosófico]

grAduLação



É tanta gente que produz a cidade,
é tanta adulação
e função em desnecessidade
que, pra voar,
até o pombo, oficial de formação,
tem que ter graduação.
¬ lpz

A Linguagem do Silêncio

A linguagem do silêncio é o própr..
¬ lpz

A Panela e o Cozido























Há o corpo e a mente,
assim como a panela e o cozido.
Nestas duas coexistências, há o preparo.
O animal que deve ser temperado e aquecido,
o legume, ou vegetal, que pode ser adicionado.
E é fundamental que o fogo seja acendido.

É uma obra sem protagonismo,
em que importa a realização do conjunto.
Quando o corpo ou a panela começa a esquentar,
não há como afirmar
qual é o centro da ação
durante a ebulição.

Mesmo que se determine,
não há mestre que ensine,
imersa no borbulhar, a batata se comportar.
Resta ao mundo esperar
e confiar na mistura bem feita,
e degustar com prazer se é saborosa a receita.
¬ lpz

Mente

Não há um mapa da mente.
O mapa é a mente,
que mente.

É o que move a sua existência,
seguir se enganando.
É a mente trabalhando.
¬ lpz

Do que será que vou morrer?
















A evolução da Medicina é algo que impressiona.
Na infância, consumi Cibalena,
Imosec, Decongex...
Sem contar o Memorex.

Adulto, o Paracetamol,
que maravilha, que avanço!
Mesmo assim, por ser bicho racional,
de perguntar não me canso:

Será que vou adoecer?
Do que será que vou morrer?..
É evidente! Listei a razão.
Será de somatização!
¬ lpz

"Na prática a teoria é outra."
[Cora coralina]

O Mundo e a Poesia, no Remundo











Eu admito e publico:
o mundo se perdeu da poesia.
Por que não a franqueza?
É como vejo!
É a condição deste
que não os perdeu de vista.

Contudo,..

Eu admiro e republico:
o mundo se perdeu na poesia.
Por que não a beleza?
É como revejo!
É a condição deste
que se perdeu de vista.
¬ lpz

Veste


A pele veste
o ser humano
de mundo.

¬ lpz

O Crime da Norma

Qualquer um pode ser tirano, autoritário ou déspota, enquanto existir o consentimento dos que não são. É a condição para a coexistência. A fronteira é sutil, machuca, mas esse é o timbre da voz para as liberdades. O problema é quando se impõe a ditadura. Esse caráter é mais agudo.

Totalitária, sua ação corrosiva é tão extensa que se alastra até à residência do mandatário, chega ao âmago da sua intimidade e, como num jogo de roleta russa, o executante torna-se objeto da opressão do sistema que ele mesmo impôs.

Não há escapatória quando a arrogância acusa a própria cabeça. Absorto, convicto da aposta que fez na impossibilidade de protagonizar o seu último gesto, o mentor é submetido à fagocitante norma primeva de sua obra:
  1. A ditadura criminaliza qualquer ato de ser.
¬ lpz

... a vida é uma opção estética...




É duro ser artista,
ceder o corpo à musa da memória,
fazer flanar o pensamento para além do tempo,

virá-lo do avesso e sangrar tanto,
e tantas vezes.
É doloroso, às vezes é irremediável.

Às vezes...
porque... a vida é uma opção estética...
E quando a arte é a escolha, a morte morre.
¬ lpz

O Imparcial





O imparcial tenta fazer de si um juízo à parte, sem existência no ambiente da questão. Mas não se considera um zero à esquerda, e sim ao centro. Sua dolorosa obsessão o contradiz a ser parte à parte e ao centro, na forma de um zero ectoplásmico que descreve em si um círculo perfeito e nuclear que faz gravitar em torno da sua essência toda a problemática. Convicto de não estar ali propriamente, apesar de estar, se pretende o protagonista de um juízo sem protagonistas.

Vida difícil essa de ser imparcial, hein?
¬ lpz

Transtroçar





















Cuidado!
O adjetivo é atributo,
é troço e pronto.

Não faz como o verbo
que infinita,
gera,
atua,
escolhe,
persevera,
trança,
cativa,
articula,
conduz,
assombra,
modifica,
constrói,
transvalora,
politiza...

O adjetivo é parte,
o verbo divisa,
movimenta,
transignifica
entre os significados.
¬ lpz

Lucidez










Não sou iluminado
porque, aquém da pele,
nada me ilumina.

Na realidade,
me dedico a simplicidade
de atritar os gravetos,

produzir o calor,
soprar a brasa mundana
e luzir a própria chama.

Escolhi a lucidez.
¬ lpz

Autoestigma

A expressão não é uma marca que não se pode apagar.
Seu movimento toma impulso na necessidade de ser.
Fazer da expressão uma marca
individual,
indelével,
cosmética,
é se submeter a uma cisma de si mesmo.
¬ lpz

Mestiço

"Esse foi o primeiro efeito do encontro fatal que aqui se dera. Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes mas opostas, do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos de meses de navegação oceânica, escalavrados de feridas do escorbuto, olhavam, em espanto, o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, vestidos da nudez emplumada, esplêndidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra a pestilência, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saíam do mar."

"Há duas contribuições fundamentais nesse encontro: uma mestiçagem do corpo e uma mestiçagem da cultura. Em nós vivem milhões de índios, índios que foram esmagados porque a brutalidade do branco com o índio foi terrível. Esmagados porque o europeu tinha muita doença. Os índios não tinham cárie dentária, nem gripe, nem tuberculose... Cada enfermidade dessas era uma espécie de guerra biológica, matou índios em quantidade..."

"Abre-se com esse encontro um tempo novo, em que nenhuma inocência abrandaria sequer a sanha com que os invasores se lançavam sobre o gentio, prontos a subjugá-los pela honra de Deus e pela prosperidade cristã. Só hoje, na esfera intelectual, repensando esse desencontro se pode alcançar seu real significado."

[Darcy Ribeiro, no livro 'O Povo Brasileiro']
Foto: eu e índios Xavantes nas gravações de 'A Muralha', 1999

A ditadura é

A ditadura é
a criminalização
do ato de ser.
¬ lpz

O talvez

O talvez é
um sim
desconfiado.
¬ lpz

Inveja

A inveja?
É uma modalidade de vigilância
que vela
a alegria
do outro.
¬ lpz

A Dor e o Ferido





Cuido.
Pra perceber se oprimo
pelo tanto que fui oprimido.

Cuido.
Porque o ferido
pressente que é fácil ferir.

Me cuido.
Porque a razão do ferido
tem na dor o seu meio preferido.
¬ lpz

Lances e Mestres


Frente a frente, as linguagens de Walter Benjamin¹ e Berthold Brecht² transformam o tabuleiro de xadrez num palco para as ideias que moveram os caráteres de suas vidas.

No jogo, Brecht, dá para perceber pela expressão, leva pequena vantagem. Benjamin, move as peças pretas e joga impulsivamente. Contudo, Brecht sofreu a importante baixa do seu cavalo. Ele avança a massa dos sete peões restantes, enquanto Benjamin prefere a linguagem geométrica das peças aristocráticas. Sem um bispo e um peão pretos, é a vez de Walter...
¬ lpz

1) Berthold Brecht (1898 — 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão. Entre muitos estudos, foi o responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século XX.
(2) Walter Benjamin (1892 — 1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Sua obra é leitura fundamental para o que tange a discussão sobre a linguagem.

Minoridade Penal

Redução da maioridade penal?! Mas, o Brasil é uma colônia penal. Somos tratados como bandidos todos os dias pelo sistema público e privado. Quem defende essa posição é simplista, é reducionista. As escolas públicas, e sua arquitetura física e social, semelhante a dos presídios, já cumprem o papel de punir o jovem, aliás, muito bem. Além disso, prender aonde? A população carcerária ultrapassa 500 mil, e tem lugar liberando porque não cabe mais. Se fosse a população de uma cidade, teria 2º turno.

Bom, se isso algum dia for aprovado no Brasil, coisa que duvido, mas sei lá, né? Teremos que preparar nossos filhos e netos para o acharque daqueles fardados corruptos, e não são poucos, que terão a lei ao seu lado pra aumentar mais ainda o seu caixa dois de cada dia. Da mesma forma que nós adultos muitas vezes somos coagidos.

O projeto que entendo como mais sensato é para o caso de crimes hediondos. Para esses, sim, emancipação automática. Mesmo assim, fica pendente a omissão da sociedade, principalmente da parte dos habitantes que se diz educada, e acha que simplesmente sair pra trabalhar seja o suficiente para cumprir o seu papel diante deste cenário de holocausto.
¬ lpz

Casa é

Casa é
um lugar com asas
pra pousar em canto
todo o meu espanto.
¬ lpz

Horizonte é

O horizonte é
a fuça e o rabo
do infinito.
¬ lpz